Estado laico é estado leigo, secular, neutro. Não professa nenhuma, tolera, aceita todas, inclusive a falta total de religião. No entanto, mal abrimos a Constituição Federal de 1988 já nos deparamos com a palavra Deus estampada no Preâmbulo. Alguns poderão dizer que o Preâmbulo poderá trazer escrito qualquer coisa, pois não tem força normativa, todavia para um país que se diz laico não é bem assim que a “carruagem deveria seguir”.
PREÂMBULO CRFB/88: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”.
Com base nos escritos do referido Preâmbulo, todas as Constituições dos Estados Brasileiros repetiram a palavra Deus nas suas cartas, exceto o Estado do Acre, que modernamente, decidiu excluir a frase toda, “sob a proteção de Deus”, e por isso foi motivo de ADI 2076. Veja resultado da ADI abaixo:
Pleno mantém supressão da frase “sob a proteção de Deus” na Constituição do Acre (julgada em 15 de agosto de 2002 – Fonte STF)
O Plenário do Supremo Tribunal Federal considerou improcedente, por unanimidade, Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2076) do Partido Social Liberal (PSL), contra a Assembléia Legislativa do Acre, por omissão no preâmbulo da Constituiçãodaquele estado da expressão “sob a proteção de Deus”.
(…)
O relator da ação, ministro Carlos Velloso, sustentou em seu voto que o preâmbulo constitucional não cria direitos e deveres nem tem força normativa, refletindo apenas a posição ideológica do constituinte. “O preâmbulo, portanto, não contém norma jurídica”, disse o ministro.
O preâmbulo da Constituição do Acre, alegou Velloso, não dispõe de forma contrária aos princípios consagrados na Constituição Federal, pois enfatiza os princípios democráticos e a soberania popular. “Só não invoca a proteção de Deus que, posta no preâmbulo da Constituição Federal, reflete simplesmente um sentimento religioso”; EIsso não pode!
O ministro disse ainda que a referência à proteção de Deus não tem grande significação, tanto que as constituições de países cuja população pratica em sua maioria o teísmo não contêm essa referência, como as dos Estados Unidos, França, Portugal e Espanha.
Além disso, como pode um Estado que se diz laico privilegiar templos de qualquer culto com isenção de impostos? Qual o motivo levaria um Estado laico a beneficiar entidades religiosas que não assiste uma população como um todo? Ao notarmos isso no artigo 150 da Constituição Federal é que nos surge a dúvida. Agora, se fosse uma entidade escolar religiosa, que aceitasse como aluno, pessoa de qualquer crença ou sem crença nenhuma, mesmo que a professasse de forma não obrigatória em sala de aula, acredito que assim merecesse incentivos governamentais por meio de impostos e outras formas; agora templos não deveriam ter incentivos, pois a meu ver, não traz nenhum benefício à sociedade, quando muito à seus fiéis, e olhe lá.
Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:VI - instituir impostos sobre: b) templos de qualquer culto;
Outro fator que deixa dúvidas quanto à laicidade do Estado é a inclusão do ensino religioso nas escolas públicas – mesmo que não obrigatório, já caracteriza uma ofensa, pois é certo que o Deus que ali professam, obrigatoriamente, é o deus dos cristãos, acaso esteja enganada que me corrijam, mas nunca ouvi dizer que tem aulas de candomblé, umbanda, espiritismo e outras liturgias que não seja o cristianismo numa escola pública. Assim, o aluno não tem muita escolha. Ou assiste as aulas de cristianismo ou não assiste a nenhuma e assim poderá ser tido, pelos “amiguinhos”, como um ateu ou herege, que deve ser excluído das relações; podendo ser vítima de “bullying” e até sofrer depressão; dependendo da idade da criança isso afeta e muito em sua vida escolar e até intrafamiliar.
Apesar do transcrito aqui, a atual Constituição não institui nenhuma religião como sendo a oficial do Estado. Estabeleceu em seu artigo 19, I o seguinte:
“É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.”
Bem, apesar desses dizeres bonitos, não creio que seja isso que se passa no país. Tenho notado símbolos religiosos cristãos dentro do órgões públicos, frases e versículos da bíblia estampados em paredes; orações ou rezas no início e no final de sessões públicas em assembléias e câmaras legislativas e por aí vai. Quem, muitas vezes se opõe a participar de tais liturgias ou são contrárias a elas são isolados ou até destratados pelos seus pares (“Ateofobia”).
Além disso, a parte que fala de “colaboração de interesse público” (Art. 19, I CF/88), vem de encontro ao que muitas vezes se constata Brasil “afora”. Qual o interesse público teria a vinda de um líder religioso de uma determinada liturgia ao país? A não ser a seus seguidores, ao comércio local, a hotelaria que terão “lucros” diretos e indiretos, quem mais sairia beneficiado.? Um exemplo se tem da vinda do Papa ao Brasil onde, dizem a maioria do periódicos, terem sido gastos dos cofres públicos 118 milhões. Isso não é, definitivamente, atitude de um país laico. Recursos que deveriam ter sido investidos em saúde pública, educação e assistência social, colocados, literalmente, num “ralo”. Lamentável!
É bastante comum encontrar símbolos religiosos em prédios públicos (salas de audiência, tribunais, Congresso Nacional etc.), em sua maioria crucifixos, mas também placas nas entradas de alguns municípios, especialmente do Estado de São Paulo (Mauá, Sorocaba, Itu, Itupeva, dentre outros), nas quais se faz referência a Jesus Cristo como sendo o Senhor da cidade.
Isso trouxe questionamentos no tocante à liberdade religiosa das minorias não adeptas de tais símbolos, já que se diz que o Brasil é um estado laico, sendo-lhe proibido interferir na religião.
Sobre esse aspecto, Fernando Fonseca de Queiroz assim se posiciona:
Como bem afirma Dr. Roberto Arriada Lorea "(...) O Brasil é um país laico e a liberdade de crença da minoria, que não se vê representada por qualquer símbolo religioso, deve ser igualmente respeitada pelo Estado". (LOREA, O poder judiciário é laico. Folha de São Paulo, São Paulo, 24 set. 2005. Tendências/Debates, p.03).
Saliente-se então que, conforme nosso entendimento, não é lícito que prédios públicos ostentem quaisquer símbolos religiosos, por contrariar o princípio da inviolabilidade de crença religiosa. O Estado deve respeito ao ateísmo e quaisquer outras formas de crença religiosa. O predomínio do Catolicismo no Brasil não justifica tais símbolos.
Não entramos no mérito das religiões. Não avaliamos qual ou quais religiões o crucifixo representa. Isto não tem conotação pública e não nos interessa. Se tais símbolos ofendem a liberdade de crença ou descrença de uma única pessoa, já se torna justificada a retirada destes objetos.
É importante ressaltar que o conceito de Estado laico não deve se confundir comEstado ateu, tendo em vista que o ateísmo e seus assemelhados também se incluem no direito à liberdade religiosa. É o direito de não ter uma religião conforme disse Pontes de Miranda: “liberdade de crença compreende a liberdade de ter uma crença e a de não ter uma crença” (Comentários à Constituição de 1967).
O Brasil tornou-se um Estado laico com o Decreto nº 119-A, de 07/01/1890, de autoria de Ruy Barbosa.
Até o advento do Decreto nº 119-A/1890, havia liberdade de crença no Brasil, mas não havia liberdade de culto. Os cultos de religiões diferentes daquela adotada como oficial pelo Estado (Catolicismo Romano) só podiam ser realizados no âmbito dos lares.
Com o mencionado decreto, o Brasil deixou de ter uma religião oficial. Com a separação Estado-Igreja, a extensão do direito à liberdade religiosa foi ampliada.
Direito ao ateísmo
O direito ao ateísmo também está protegido pela Constituição vigente, na medida em que a liberdade de crença compreende, além da liberdade de escolha da religião, da liberdade de aderir a qualquer seita religiosa, da liberdade de mudar de religião, a liberdade de não aderir a religião alguma, bem como a liberdade de descrença, a liberdade de ser ateu e de exprimir o agnosticismo.
De acordo com Alexandre de Moraes, “(...) a liberdade de convicção religiosa abrange inclusive o direito de não acreditar ou professar nenhuma fé, devendo o Estado respeito ao ateísmo”.
Dirley da Cunha Júnior, contudo, encaixa o direito ao ateísmo não como decorrência da liberdade religiosa, mas sim como decorrência da liberdade de consciência, também protegida pela Constituição Federal vigente.
De uma maneira ou de outra, o direito ao ateísmo encontra guarida na Constituição e deve ser respeitado.
Autoria/comentários: Elane F. De Souza OAB-CE 27.340-B
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