Esta Estória, que bem
poderia ser uma História, começa como qualquer outra começaria.
Era uma vez um homem,
esposo e pai amoroso, trabalhador e grande lutador em prol de dias melhores
para os seus e o próximo, além de um sonhador -
desses que não só vê a vida como algo belo, mas como algo pelo que sempre
valerá a pena lutar.
O nome desse homem é
José, um José como outro qualquer – só mais um que vive nas favelas desse
Brasil imenso; numa grande favela, de uma grande Capital.
Sua esposa se chama
Lídia; ela não trabalha fora, de momento – já foi doméstica e vendedora de loja,
todavia hoje passa o tempo cuidando dos três filhos pequenos enquanto o marido
(José) sai para a lida.
Os filhos do casal têm
entre 2 e 8 anos. Os meninos são os dois menores (Iniesta de 2 e Lionel de 4);
a menina é a princesa do papai José e se chama Gisele Bárbara.
Os nomes, como já devem
ter notado, foi uma homenagem aos jogadores (O Español Iniesta e o Argentino
Lionel Messi), feita pelo pai que tanto os admira. Já a menininha, a Gi, como é chamada pelos
papais orgulhosos, foi uma homenagem que a mãe fez a Gisele Bundchen – ela ama
(é super fã) da modelo e por isso quis eternizar esse amor dando o nome dela a
menina. Sentiu uma pena não poder
acrescentar também o Bundchen, uma vez que se trata do sobrenome da modelo,
enquanto o seu é Lopes da Silva. Dessa
forma acrescentou um segundo nome a filha – “Bárbara”, para não ficar, assim,
tão distinto do da modelo. Pelo menos ao
pronunciá-lo, por completo, soará parecido, é o que pensou Lídia ao batizá-la
com esses nomes!
Cap. I - A fatalidade
A vida de Lídia não é
nada fácil. Dos três filhos, apenas a
pequena Gi vai a escola – ela não
encontrou creche na redondeza para ingressar, também, dos dois menores, dessa
forma é ela mesma que tem que cuidar deles e ainda levar Gisele a escolinha
todas as manhãs e ir buscá-la a tarde (sorte que ainda encontrou uma que a
cuida o dia todo). Mesmo assim fica
difícil ter que sair todos os dias carregando duas crianças nas costas, pois é
impossível conseguir tomar um ônibus
aonde vive e/ou encontrar alguma
vizinha(o) que os cuide enquanto vai (pela manhã e tarde) levar e buscar a
filha.
Felizmente Lídia é uma
mulher forte, saudável, jovem e de bem com a vida. Faz isso todos os dias sem reclamar – vê os
filhos como uma benção e não como um estorvo para seu sucesso pessoal. Mesmo recordando do tempo em que era uma
bela mulher, esguia, barriga chapada, cabelos sedosos, sem nenhum filho e
marido para “atrapalhar”, podendo fazer o que bem entendesse, ela não troca pela vida que hoje tem. Ama o marido e os filhos mais que tudo!
Acredita que tudo que
faz hoje lhe será recompensado amanhã.
Terá filhos bem criados e educados, mesmo sabendo que vive em uma zona
mal vista pelo restante da cidade. Uma
área marginalizada onde crêem que não há futuro para ninguém. Uma região
esquecida pelo poder público; “tomada e a administrada” por facções criminosas
que fazem as vezes de governo, polícia e justiça.
Nos finais de semana estão
sempre juntos em casa, vendo Televisão com os filhos ou jogando vídeo game no
computador ou no celular com eles.
Parece difícil imaginar
que pessoas tão pobres, que vivem em áreas marginalizadas e inclusive recebem
ajuda do governo, dos programas sociais, para ajudar no sustento possam ter
computador e celulares.
Mas é assim mesmo que
acontece. A família da Estória em
questão tem uma boa TV, bons celulares e um computador com wi fi, apesar da
casa estar, literalmente, “caindo aos pedaços”.
Todos ao redor vive da mesma forma.
Como pode
isso? Tem tanta gente por aí que não tem
bom celular, não pode adquirir um computador, muito menos contratar serviço de
internet e vive em bairros e em melhores condições – como eles tinham tudo
isso?
O que nós não sabemos é
que, algumas pessoas que vivem em áreas marginalizadas priorizam bens como TVs,
Celulares, Microondas, Lavadoras tudo de média a boa qualidade, enquanto isso,
muita das vezes, não tem o que comer e vestir; na casa falta até partes do
telhado, além da pintura e do reboco. O banheiro nem se fala – é o caos, chega
a colocar crianças e idosos em perigo. A luz, a água, a TV a cabo e o sinal de
internet são fornecidos pelo “gato” que fizeram do serviço pago pelo vizinho que
tem mais condições, ou do poste da rua e em alguns casos financiadas pelo
“poder paralelo”, eles fornecem esse tipo de “serviço” ao povo – não é o caso
da família, protagonista dessa história, eles tinham porque haviam adquirido,
com muito custo e trabalho, já a wi fi era “gato” (na verdade, era
partilhamento de senha).
Infelizmente o conceito
de honestidade de muita gente não abarca tudo – fazer "gato" de energia, água, TV
a cabo e internet é bastante comum; a maioria acredita que não estará cometendo
nenhum delito ao fazer ligações paralelas, não pagar e consumir é algo bastante
comum em certos bairros no Brasil.
Quando um curto circuito destrói um quarteirão inteiro, e até mata
pessoas por causa disso a culpa, muitas das vezes, é direcionada aos
governantes pelo desserviço. Alguma
razão terão de pensar assim pois, se o Estado não está não há lei, não há
limites – “é cada um por si”, até o dia em que a milícia chega e toma conta!
Um final de semana,
quando toda a família de Seu José estava reunida em casa, as crianças sairam
para tomar ar e brincar um pouco com os amiguinhos da vizinhança; já estavam cansados de estar
dentro, vendo TV e jogando no computador num dia de verão intenso.
Havia muito calor,
todos as crianças que foram brincar na rua vestiam roupas leves – os meninos só
shorts e as meninas algo mais na parte de cima – afinal, a pequena Gi (de 8 anos) e algumas de suas amiguinhas de
mesma idade ou pouco mais velhas, já se viam mocinhas, portanto nada de sair a
rua mostrando os pequenos e quase invisíveis peitos (ali, ainda não havia nada
que se pudesse chamar de seios), todavia a pequena Gisele já se envergonhava de
ficar com eles à mostra.
Fazia ela muito bem
pois, onde a maioria comum não consegue ver nada é um turbilhão de fantasias na
cabeça doente dos pedófilos e tarados.
Esconder-se por detrás
de uma blusinha humilde e uns calções surrados não foram o bastante para tirar
os encantos de Gisele. Naquele mesmo dia ela foi levada por um
desses indivíduos inescrupulosos que sentem desejos e tem fantasias com
crianças. Um pequeno descuido da família
fez com que Gi nunca mais fosse vista com vida nas redondezas.
Após longos dias de
busca, na maioria das vezes, buscas essas
realizadas mais pela família e amigos que, mobilizaram a TV, a mídia inteira e
as redes sociais com fotos e pedidos de “socorro” a qualquer um que pudesse
fornecer informações acerca do paradeiro da pequena Gisele, uma mensagem anônima chega via telefone.
- Uma menina, com as
características da desaparecida tinha sido encontrada, sem vida, num matagal
próximo ao bairro onde a família vivia.
Imediatamente a família
leva a conhecimento da polícia tais informações.
A polícia vai ao local
e realmente encontra o cadáver de uma menininha, com as mesmas vestes da
desaparecida, com o mesmo tamanho, mesma textura e cor de cabelo.
Após exames de DNA
ficou constatado que era mesmo o cadáver de Gisele Bárbara; a princesinha do
papai José estava morta; tinha sido violentada, e as partes do corpo que ela
mais presava e sentia vergonha de expôr foram arrancados dela, com vida (seus
pequenos e inocentes seios).
Cap. II - A reação da
família com a perda
A família nunca mais
foi a mesma. O sofrimento de todos era
visível.
Lídia, a mãe altiva e
batalhadora dona de casa não tinha mais sua filhinha para levar e buscar ao
colégio. José, o pai, estava cada dia
mais embrutecido. Suas feições
mudaram. Mesmo sabendo que tinha duas
pequenas crianças em casa para criar e educar ele passou a agir de forma
distinta da do pai carinhoso, presente e responsável que sempre foi.
Retornava do trabalho;
mal entrava em casa, comia algo e sumia no “mundo”. Lídia nunca sabia onde o marido ia e o que
fazia nesses momentos de ausência.
Nos momentos em que
conseguia parar em casa era somente para discutir com a esposa.
Ela queria saber onde ele ia. Ele não queria dar satisfações. Ela exigia a presença dele para ajudar na educação dos filhos e estar presente ao lado deles. Ele já não via sentido nisso pois, Gi era a mais importante dentre os filhos, sem ela a vida não tinha mais sentido – educar os outros para que? Para alguém levar, tirar a vida e sair impune como se nada houvesse passado? Agora, era essa a “crença” de José. Não acreditava mais que o mundo pudesse ser um lugar melhor, que podíamos transformá-lo em um bom local de se viver.
Ela queria saber onde ele ia. Ele não queria dar satisfações. Ela exigia a presença dele para ajudar na educação dos filhos e estar presente ao lado deles. Ele já não via sentido nisso pois, Gi era a mais importante dentre os filhos, sem ela a vida não tinha mais sentido – educar os outros para que? Para alguém levar, tirar a vida e sair impune como se nada houvesse passado? Agora, era essa a “crença” de José. Não acreditava mais que o mundo pudesse ser um lugar melhor, que podíamos transformá-lo em um bom local de se viver.
Cap. III – As andanças
de José
Um dia, vendo o
noticiário, Lídia ficou sabendo que um homem, suposto assassino de sua filha,
havia sido morto de uma forma cruel.
Fora torturado e teve suas partes íntimas retiradas e enfiadas na boca
com ele ainda em vida.
Pela data e hora da
morte, a forma que ela se deu Lídia logo supôs a autoria do homicídio.
- Era seu marido, ele
tinha se transformado num assassino.
O homem doce, gentil,
amável, carinhoso que ela havia casado não se parecia, em nada, com aquele que
foi capaz de cometer, como vingança, uma atrocidade, se igualando ao assassino
de sua filha, agora sua vítima.
Quando se deparou com
ele pela primeira vez, após ficar sabendo do homicídio nem sequer teve coragem
para encará-lo. Sentiu medo, todavia o
amava e não teria coragem para delatá-lo a polícia.
Decidiu sozinha, mesmo
antes do pedido que o marido viria fazer, de servir-se de álibe.
Quando foi inquirida
sobre o fato e a presença do marido no dia fatídico, ela disse que ele esteve com
ela todo o tempo e que quase nunca saia de casa – coisa que eles saberiam não
fosse a vizinhança toda resolver “mentir junto” – de forma coerente, pois todos
estavam “felizes” com o fim que levou o pedófilo!
Gi não teria sido a sua
primeira vítima! Se não “morresse logo” outras morreriam em suas mãos – foi
melhor assim é o que a maioria pensou quando resolveu servir de “álibe” indireto
para José, afinal todos os vizinhos, os mais próximos, já sabiam que ele não
mais parava em casa depois do ocorrido com Gisele – e no dia do homicídio não
foi diferente.
Cap.IV – Eis que surge
um “vingador”
Para quem vive numa
área de violência “epidêmica”, como é o caso da família de José, o surgimento
de um “vingador desconhecido” não é algo ruim.
As pessoas sentem que a
Justiça foi feita quando o assassino do filho, marido, esposa, cunhado, primo,
amigo tem o mesmo fim. Não querem
esperar pela prisão e julgamento, muito menos crêem que ela seria feita.
- “A justiça é lenta e
ninguém se importa com favelado”! É o
que pensam a maioria dos que vivem ali, próximos de José – onde o poder público
não entra. Lugar esquecido pela polícia, pela Justiça e pelos programas de
inserção social.
Não há políticas
públicas de prevenção primária que é a principal, pois trata-se do Estado
proporcionar educação, saúde, segurança, trabalho e qualidade de vida ao povo
do lugar – isso tudo, a médio e longo prazo garante um local mais tranquilo
para se viver. Infelizmente, também, não se nota uma
política de prevenção secundária, destinada a gerir os conflitos de grupos e
subgrupos; a presença da polícia nessas áreas de maior violência é quase nula –
se houvesse, a curto ou médio prazo também se poderia perceber uma mudança,
para melhor!
Segundo a Criminologia
ainda existe o modo de prevenção denominada de terciária, que seria àquela
aplicada à população carcerária, a que cumpre pena. Essa visa a recuperação do preso, tenta
evitar que ele reincida na vida do crime quando estiver fora do sistema; infelizmente
há um estigma que “rodeia” o ex presidiário – ele nunca será um ex
criminoso, sempre será um criminoso que cumpriu pena, e só.
Ninguém dá emprego para
quem já cumpriu condena e, se essa pessoa vai, ou simplesmente volta para uma
área de risco como é a de José ele terá tudo para um dia voltar a delinquir, ser
preso ou morto por outro que vive a vida como ele ou nas mãos de um “vingador”,
como esse que agora perambula pelo pela favela onde vive os protagonistas de
Estória.
Mas, e o Vingador, esse também não é um assassino cruel?
Mas, e o Vingador, esse também não é um assassino cruel?
- Com certeza que sim,
todavia é um herói para a população que vive assustada, sem justiça pela perda
dos entes queridos, assim acabam
aceitando qualquer forma de vingança que venha acalentar seus corações;
não percebem que com essa aceitação, com essa alegria pelo morte do assassino
de quem amavam se tornam vazios e animalescos, só não piores que o “Vingador”
que decidiram endeusar.
Alguém que se
autodenomina, ou se aceita e age como “vingador” é tão cruel, tão bárbaro
quanto o próprio meliante que extermina.
Ao fazer o mesmo, ou pior para se vingar deixa de ser vítima, passa a
ser apenas mais um bandido que deve ser buscado e “enjaulado”!
Quem começa nessa vida
de vingança vai chegar um momento que não mais se reconhecerá. Passará a sentir
alegria, prazer, felicidade em matar. Nunca mais será o mesmo; tomou gosto pela
coisa e por mais que se imagine superior, melhor que o assassino, estuprador,
violador que pois fim a vida, a justiça o verá de forma igual.
Se antes era difícil
matar para vingar a morte de um filho, mas acabou conseguindo fazê-lo, mais
cedo ou mais tarde acabará fazendo outra e outra vez. Será para vingar a morte de um amigo,
vizinho, parente e até por uma olhadura de cara feia – a vida do outro, do desafeto,
deixará de ter importância – seja por qual questão for, matar passará a fazer
parte do vocabulário, do cotidiano dessa pessoa.
Esse é o caso de José,
que um dia foi um homem bom mas resolveu fazer “justiça com as próprias mãos” –
sujou-se do sangue de outro ser humano, hoje é tão assassino quanto o pedófilo
que um dia exterminou!
Da mesma forma,
assassino também é a pessoa que participa do linchamento de outro ser
humano. Não existe coisa mais baixa,
mais vil, mais vergonhosa e arrepiante que ver uma multidão enfurecida, em
forma de “manada”, um bando de “marias vão com as outras” atirando pedras,
socando, dando pauladas, facadas, machadadas numa única pessoa – deixando-a sem
a mínima chance de defesa.
Não seria mais humano,
MAIS CRISTÃO, prendê-la e entregá-la a polícia? Por mais dramático, por mais hediondo que
tenha sido o crime que ela (a pessoa) praticou merece uma chance de ir a justiça responder
por isso!
Que eu saiba não somos a
Arábia Saudita, o Irã ou Afeganistão que ainda pratica a pena de morte, somos um país, em
tese, civilizado, que é signatário da Carta das Nações Unidas, da DUDH, e da Convenção das Nações
Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou
Degradantes (Resolução 39/46 da Assembléia Geral das Nações Unidas) que
foi estabelecida em 10 de dezembro de 1984. Ela foi ratificada
pelo Brasil em 28 de setembro de 1989. Constitui-se de 33
artigos que repudiando todas as formas de tortura.
Além disso, a Anistia Internacional trava uma batalha
diária para o extermínio da pena de morte no mundo, pois essa não pune ninguém,
apenas mostra ao mundo o quão sem valor é o ser humano - o quão impossível é a
sua "redenção" - apesar da pregação diária pelo mundo, em forma de
religião, falando o contrário, ao aceitá-la e concretizá-la só estarão demonstrando
o quanto contraditórios e sem amor ao próximo são em suas "convicções" teístas.
"O mundo precisa de mais amor, não de falsos moralistas"!
"O mundo precisa de mais amor, não de falsos moralistas"!
Autoria: Elane F. de Souza (Advogada-CE e
Administradora do Blog)
Obs.: Essa NÃO é uma história real, nem os personagens
são reais; qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência. O
texto em questão tem trechos relativos à Criminologia e aos Direitos Humanos.
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